
O Brasil comemora hoje (19) o 125º aniversário do cinema nacional. A data marca o primeiro registro captado no país, com autoria do ítalo-brasileiro Afonso Segreto (1875 – 1919), considerado o primeiro cineasta nacional. No vídeo, foi filmada a Baía da Guanabara, mas o acontecimento recebeu apenas um registro breve no jornal Gazeta de Notícias. Mais de um século depois, o cinema brasileiro é aclamado por amantes da sétima arte em todos os cantos do mundo, e possui um acervo rico em cultura, estilo e linguagem própria.
Marcado por fases, o cinema nacional reproduziu, por décadas, uma forma de expressão fortemente inspirada pela indústria cultural norte-americana, tendo como base as grandes obras produzidas por Hollywood. Mas não demorou muito até o cotidiano do país se tornar parte do que é dramatizado nas telas, com a chegada do Cinema Novo, na década de 60. Com grande influência do neo-realismo italiano e também da nouvelle-vague francesa, os filmes produzidos nessa época mostravam um Brasil até então desconhecido pelo exterior.
Após o golpe de 1964, o cinema nacional atingiu sua maior fase de denúncia e encontrou, através da arte, uma forma de protesto. Apesar de sofrer pressões frequentes da ditadura militar, muitos filmes foram censurados e proibidos de serem exibidos no país. Nessa fase, Glauber Rocha destaca-se como o maior nome responsável por popularizar o movimento, com o lançamento de Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, entre outros.
Já em 1985, após o fim da ditadura, o cinema brasileiro encontrava-se desgastado. Com a crise econômica, não haviam recursos financeiros suficientes no país para produzir filmes de qualidade em território nacional, e assim se seguiu pelos sete anos seguintes, até a criação da Lei do Audiovisual, no governo Itamar Franco. A era de retomada investiu massivamente nas produções, com foco nas partes técnica e estrutural. Atualmente, com a participação da Globo Filmes, foi possível produções de grande apelo comercial arrecadarem mais de R$ 100 milhões nas bilheterias do país. O recorde foi batido por Minha Mãe É uma Peça 3, de 2019, que levou 11,3 milhões de espectadores às salas de exibição e faturou mais de R$ 143 milhões.
O Brasil já foi representado sete vezes no Oscar, sendo três delas na categoria de Melhor Filme Internacional (O Pagador de Promessas, O Quatrilho e O Que É Isso, Companheiro?) e também foi indicado 38 vezes à Palma de Ouro, em Cannes (venceu em 1962, por O Pagador de Promessas). É fato que nosso cinema produz conteúdo de altíssima qualidade, com grande apuro técnico e possui histórias que são capazes de emocionar os públicos mais exigentes. Por isso, em homenagem à nossa forma única de contar casos, a Diversa selecionou dez filmes incríveis que não podem deixar de ser vistos por todos aqueles que amam a nossa cultura!
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)
Direção: Glauber Rocha
Sinopse: No interior do país, Manuel (Geraldo Del Rey) é um vaqueiro que se revolta contra a exploração imposta pelo coronel Moraes (Mílton Roda) e acaba matando-o numa briga. Ele passa a ser perseguido por jagunços, o que faz com que fuja com a esposa Rosa (Yoná Magalhães). Após juntar-se a um grupo religioso liderado por um santo, o grupo parte para o sertão e lá encontra diversos personagens, incluindo o temível Antônio das Mortes.
Por que assistir? Repleto de sutilezas e significados, o filme conta com pulso firme uma história poética e arrebatadora sobre o país, resgatando a cultura brasileira e a mitologia do sertão como pano de fundo. O longa foi restaurado pela primeira vez com a tecnologia de alta definição 4K em 2022, e está agora mais impressionante do que nunca. Vencedor de diversos prêmios mundiais, o filme ainda integra a lista da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE), que o classificou como o segundo melhor filme brasileiro de todos os tempos.
Onde assistir: Globoplay
Eles Não Usam Black Tie (1981)
Direção: Leon Hirszman
Sinopse: Em São Paulo, em 1980, o jovem operário Tião (Carlos Alberto Riccelli) e a namorada Maria (Bete Mendes) decidem casar-se ao saber que a moça está grávida. Ao mesmo tempo, estoura um movimento grevista que divide a categoria metalúrgica. Preocupado com o casamento e temendo perder o emprego, Tião fura a greve e entra em conflito com a família, extremamente politizada.
Por que assistir? O cinema nacional é abertamente político, e a arte tem o papel de servir como plataforma capaz de apresentar temas a serem debatidos pela população. Incomumente progressista para o período em que foi lançado, o longa traz diálogos memoráveis e atuações brilhantes do elenco, além de trazer a célebre Fernanda Montenegro numa atuação louvável. Possui momentos afetuosos, diverte com a própria simplicidade e é pulso firme quando necessário. Como um todo, possui os elementos necessários para compor uma obra que não é nada menos que completa.
Onde assistir: Globoplay
Central do Brasil (1998)
Direção: Walter Salles
Sinopse: Dora (Fernanda Montenegro), é uma amargurada ex-professora que ganha a vida escrevendo cartas para pessoas analfabetas. Ela embolsa o dinheiro sem postar nenhuma das cartas. Um dia, conhece Josué (Vinícius de Oliveira), o filho de nove anos de idade de uma de suas clientes, morta em um acidente de ônibus. Dora reluta em cuidar do menino, mas se junta a ele em uma viagem pelo interior do Nordeste em busca do pai desconhecido de Josué.
Por que assistir? Reverenciado pelo próprio público como um dos filmes mais emocionantes do país, o longa envolve o espectador e o convida para uma viagem por diversos cantos do Brasil. No fim do passeio, se despedir dos personagens é uma tarefa amarga, mas recompensadora. Como grande mérito, o longa rendeu à Fernanda Montenegro uma indicação para disputar a estatueta de Melhor Atriz no Oscar, em 1999. Além disso, venceu o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira no mesmo ano.
Onde assistir: Globoplay
Cidade de Deus (2002)
Direção: Fernando Meirelles e Kátia Lund
Sinopse: Buscapé (Alexandre Rodrigues) é um jovem pobre, negro e sensível, que cresce em um universo de violência. Ele vive na Cidade de Deus, comunidade carioca conhecida como um dos locais mais violentos da cidade. Amedrontado com a possibilidade de se tornar um bandido, Buscapé acaba sendo salvo do próprio destino devido ao talento que possui como fotógrafo. É através deste olhar que analisa o dia-a-dia da comunidade em que vive, onde a violência parece ser infinita.
Por que assistir? Um soco no estômago necessário que, infelizmente, permanece mais atual do que nunca, o cinema brasileiro nunca representou tão bem a perda da inocência como fez em Cidade de Deus. A banalização da violência torna-se um ciclo vicioso que move a vida dos personagens e apresenta-se como uma ferramenta capaz de gerar inúmeros vilões, mas que são nada menos do que peões movidos por um poder maior. O público concorda que trata-se de uma obra grandiosa e o longa ocupa a 25ª posição no site de dados de produções audiovisuais IMDb (Internet Movie Database) como um dos filmes mais bem avaliados pela audiência.
Onde assistir: Netflix, Globoplay, Paramount+
O Cheiro do Ralo (2006)
Direção: Heitor Dhalia
Sinopse: Lourenço (Selton Mello) é o dono de uma loja que compra objetos usados. Ele desenvolve um jogo de dominância com a clientela, explorando pessoas em grandes dificuldades financeiras. Incomodado com o permanente e cheiro do ralo que existe na loja, Lourenço vê o próprio mundo ruir quando é obrigado a se relacionar com uma das pessoas que imaginava controlar.
Por que assistir? Extremamente bizarro e hilário, Selton Mello tem uma das melhores performances da carreira nessa história original sobre poder e a perda da dignidade humana. Com um humor que força o espectador a rir diante do desconforto, funciona como uma sátira à sociedade esnobe de intelectualidade pretensiosa e está sempre disposto a cutucar feridas. Uma pérola do circuito alternativo.
Onde assistir: Globoplay
Estômago (2007)
Direção: Marcos Jorge
Sinopse: Na vida há os que devoram e os que são devorados. Raimundo Nonato (João Miguel) descobre um caminho à parte: ele cozinha. E é nas cozinhas de um boteco, de um restaurante italiano e de uma prisão que vive uma intrigante história. Ele ainda aprende a regra dos que devoram ou são devorados, porque mesmo os cozinheiros têm direito a comer a própria parte, e sabem mais do que ninguém, qual é a parte melhor.
Por que assistir? “Vingança é um prato que se come quente”. A evolução de Nonato, que passeia por diferentes camadas sociais, é um excelente exemplo de construção de personagem e pega qualquer um de surpresa com as reviravoltas do roteiro. Com muito bom humor, a trama é capaz de divertir ao mesmo tempo que choca e segura a atenção do público do início ao fim. Só não assista de estômago vazio, porque é um filme que dá fome!
Onde assistir: Netflix, Globoplay
O Lobo Atrás da Porta (2015)
Direção: Fernando Coimbra
Sinopse: Numa delegacia, um homem (Milhem Cortaz), a esposa (Fabíula Nascimento) e a amante dele (Leandra Leal) são interrogados. Arrancados pacientemente pelo detetive (Juliano Cazarré), um após o outro, todos os depoimentos vão tecendo uma trama de amor passional, obsessão e mentiras que levará a um final completamente inesperado.
Por que assistir? Falar sobre a trama sem entregar o ouro é uma tarefa complexa. Isso porque se trata de uma história inspirada num acontecimento real que escandalizou o país quando o caso retratado veio a público, mas o filme consegue esconder esse segredo com maestria até a chocante cena final. Contando com um show unânime de atuações por parte do elenco, é um suspense extremamente potente que merece ser visto para acreditar.
Onde assistir: Netflix, Star+, HBO Max
Que Horas Ela Volta? (2015)
Direção: Anna Muylaert
Sinopse: Val (Regina Casé) é uma empregada doméstica pernambucana que se muda para São Paulo a fim de dar melhores condições de vida para a filha (Camila Márdila). Treze anos depois, a garota decide ir à capital paulista para prestar um exame, e para isso, fica na casa dos patrões da mãe. Só que isso inicia um grande conflito de classes sociais que abalam a estrutura do lar.
Por que assistir? Sensível e com muito a dizer, é difícil não se apaixonar por Que Horas Ela Volta?. Grande parte desse mérito deve-se à doçura entregue por Regina Casé no papel de Val, que torna possível identificar essa mulher em nossas vidas. Todos conhecem uma: trabalhadora, humilde, faz tudo o que pode para melhorar a vida dos que contam com ela, e está sempre sorrindo, apesar de todas as turbulências da vida. A atriz recebeu, junto a Camila Márdila o prêmio de atuação no Festival de Sundance dentro da competição de cinema mundial.
Onde assistir: Netflix, Globoplay
Aquarius (2016)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Sinopse: Aos 65 anos de idade, Clara é uma escritora e crítica de música aposentada, moradora do edifício Aquarius. Interessada em construir um novo prédio no espaço, os responsáveis de uma construtora conseguem adquirir todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Por mais que tenha deixado bem claro que não pretende vendê-lo, Clara sofre todo tipo de assédio e ameaça para que ela mude de ideia.
Por que assistir? Em 2016, Sonia Braga mostrou que idade não deve ser um empecilho quando se tem amor pela profissão. A trama resgata toda a poesia da geração passada, mostrando um povo resistente que tem apego pelo que viveu, e recusa-se a mudar, apesar das frequentes ameaças de inovação que o mundo contemporâneo apresenta caso o indivíduo queira continuar a se manter ativo na sociedade. Apesar da premissa conservadora, o filme tem consciência de que para o progresso existir não se deve apagar o passado, é necessário aprender com nossas memórias para trilhar o futuro.
Onde assistir: Netflix, Globoplay
Marte Um (2022)
Direção: Gabriel Martins
Sinopse: Uma família negra da periferia de Minas Gerais busca seguir os próprios sonhos em um país que acaba de eleger como presidente um homem de extrema-direita, que representa o oposto de tudo que acreditam. Todos buscam plenitude e precisam conviver com as próprias frustrações, em um contexto onde as coisas não parecem melhorar.
Por que assistir? Responsável por retratar o cotidiano de inúmeras famílias brasileiras, Marte Um é mais um filme emocionante de nossa lista, e é capaz de esquentar o coração de qualquer disposto a se entregar por ele. A busca frequente por uma felicidade distante é retratada sob quatro óticas diferentes, e é fácil de se identificar com elas por trazerem pontos de vista tão humanamente compreensíveis. É um lembrete de que mesmo quando as coisas parecem não dar certo, é a força dos que nos amam que nos motiva a seguir em frente e que sempre é possível encontrar um impulso para continuar batendo de frente com as diversidades.
Onde assistir: Telecine
Texto: Victor Ferreira
Adorei todas as indicações de filme 🙂 Texto muito bem feito, parabéns! E viva o Cinema Brasileiro!!